Cenas que me ultrapassam

Do 5ºano ao 9ºano sempre mantive a mesma turma, mas a partir do 7º foram entrando algumas pessoas.
No oitavo ano entrou uma miúda que me suscitou grande curiosidade. Tinha apenas 1.50m, uma cara muito fofinha e era açoriana. 
Comecei a conversar com ela e ficámos amigos. Grandes amigos. Melhores amigos, após dois anos. Apesar de alguns arrufos, sempre mantivemos uma boa amizade. Era uma grande confidente, contava-lhe tudo, pois passava grande parte do dia com ela.
Após esses dois anos, ela seguiu para um curso profissional e eu repeti o 9ºano.
No ano seguinte, quando já não andávamos na mesma turma, as primeiras semanas de aulas foram péssimas para ela. Estava com ela de manhã, antes de começarem as aulas e de vez em quando ao final do dia. Ela chorava imenso. Não queria ir para a escola, a mudança tinha sido bastante grande, suponho eu. As lágrimas nunca foram devidamente explicadas. 
Perguntava-lhe se alguém lhe tinha feito mal, se havia algum problema com a turma, com algum professor ou em casa. Sempre disse que estava tudo bem. 
Mais tarde, superou esta transição, após uma grande conversa com a directora de turma. 
Já a via com as colegas de turma, nos intervalos. Via que estava feliz ao contrário de mim, pois tinha chumbado e estava com uns miúdos mais novos que eu, que não conhecia de lado nenhum. 
Dois meses mais tarde, ela diz-me que vai sair da escola. Para ir trabalhar. Passei-me da cabeça.
Não sei como, mas convenceu toda a gente e resolveu sair da escola. Sem razão aparente. "Porque estou farta", "porque não gosto", enfim, estas frases eram inexplicáveis. Quem é o estudante que nunca disse que estava farto da escola? Não era razão para ela abandonar os estudos. 
Fartei-me de ralhar com ela. De dar-lhe na cabeça. "Vais fazer o quê? Lavar escadas?" "Sem estudos não vais a lado nenhum!" "Não faças isso!". Tudo isto... em vão.
Saiu da escola, com a inesperada autorização da mãe e da directora da escola. Arranjar emprego? Nada disso. Passou os dias em casa. 
Ligava-lhe várias vezes para saber como estava, respondia-me sempre que estava bem. Sempre achei que estava a dizer a verdade. Notava que sim. Já a conhecia suficientemente bem para saber se estaria a mentir. Nos nossos dois anos de amizade, ela falava bastante do ambiente em casa e sempre demonstrou que não havia grandes problemas. Logo, esse não podia ser o problema. 
Foram passando os meses, a minha grande companhia tinha saído da escola e as saudades apertavam. Pedia-lhe para vir à cidade para falarmos... para saber como ela estava, para tentar convence-la a voltar à escola. Foram passando as semanas... os meses... quase todas as semanas lhe ligava para saber se havia novidades. Se ela tinha arranjado emprego ou se tinha, pelo menos, caído em si e perceber que tinha cometido o erro mais grave da sua vida - sim, porque sem estudos, o que vamos ser na vida? 
Nunca negou os convites, mas nunca os aceitou. Nunca percebi porquê. E sempre me tratou da mesma maneira, nunca deixou de ser a mesma... E eu pensava: O padrasto não deixa? A mãe não deixa? Não me pareceu que fosse isso. Para mim, ela foi sincera desde sempre... se fosse esse o problema ela teria dito e deixava de fazer a pergunta inúmeras vezes. 
Este Verão tentei que nos encontrássemos, "podes vir ter comigo? perguntava. " "Não sei". "Para a semana?" "Sim..." E assim sucessivamente. Nunca aceitou. Apenas veio ter comigo no Carnaval passar uma tarde e matámos saudades.
A partir daí, senti que a nossa amizade estava a desaparecer aos poucos. Eu era o único me preocupava, neste caso com ela... eu era o único que lhe mandava mensagens, que tentava que ela viesse ter comigo para falarmos um bocado... afinal de contas ela desapareceu num ápice! 
As tentativas de tentar falar com ela, de 'recuperar a nossa amizade' não tiveram resultado. 
Ela estava no seu mundo e a amizade dela fazia falta, já que estava muito à nora com a nova turma. Perguntei-lhe se estava chateada comigo, ou se lhe tinha feito alguma coisa e a resposta era sempre que não. E eu sabia que não tinha feito nada. Tínhamos uma boa amizade... 
Obviamente que me cansei de tentar falar com ela. Após uma longa conversa por mensagens, expliquei-lhe que estava farto e que quando ela quisesse estar comigo, que me ligasse.
E até hoje: nem uma mensagem. Ignora-me até hoje. Mas não me tratará mal e continuará a mesma de sempre se lhe ligar. Mas eu desisto. Assim perco uma amizade. Da maneira mais estúpida de sempre.

Maneiras que fico:

Comentários

Anónimo disse…
ora pois, se fosse eu ficava assim como tu, é mau de mais!
Ju disse…
É horrível. Damos tudo de nós a quem nos ignora... Temos de aprender a proteger-nos.
Ji disse…
ui, nunca pensei... mas pode ser que um dia ela volte a falar contigo e a importar-se com a vossa amizade
S* disse…
Infelizmente há gente que nos desilude.
Anónimo disse…
Tu tentaste, mais até que a tua "obrigação"... Isso é como qualquer relação, nunca pode ser só de um lado :( Pelo menos algum esforço, alguma resposta, deveria haver da outra parte... É pena perder o contacto com algum amigo, mas não te podes deixar abater por isso, agarra-te aos amigos que tens agora; há quem esteja disposto a cultivar amizades, como tu :)

Sara (musical)
Dana disse…
Bolas! Que história..
Olha.. as vezes agimos sem intenção de magoar e com a cabeça noutro lugar nem damos conta das consequências que os nossos actos podem ter..
Talvez um dia, ela se aperceba do que te está a fazer..
:)

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