A Fragilidade da Vida


Escrito em Outubro de 2009


Seria mais uma daquelas tardes de Inverno em que chovia torrencialmente e em que eu tremia
de frio quase todo o dia.
Estávamos em pleno Inverno e no meio do ano lectivo de aulas. Todos os dias a minha mãe iame
pôr e buscar à escola. Achava isso muito parvo, pois todos os meus colegas iam de
autocarro ou de comboio e eu era o único que voltava para casa com a minha mãe, mas eu adorava.
Era sempre divertido contar os bons e maus acontecimentos, se os trabalhos de casa do dia
anterior estavam correctos, e contava tudo o que tinha aprendido naquele dia.
A viagem de carro era vinte minutos e eu tinha sempre tempo para contar o meu dia-a-dia.
Andava no quinto ano numa escola pública com professores e colegas fantásticos.
A minha mãe chama-se Carolina, tem 42 anos e a sua profissão é auxiliar de farmácia. Para
mim e para o pai ela é lindíssima!
Tem cabelos longos e castanhos, olhos castanhos, pele morena, de estatura média e é
elegante.
Todos os dias quando terminavam as aulas esperava ansiosamente na portaria a sua chegada,
sempre num sítio escondido para os meus colegas não me verem e não gozarem comigo.
Quando a via acenava logo e corria para o carro! Muitas vezes ela ralhava comigo porque me
via bastantes vezes naquele esconderijo, mas eu ignorava.
Escondia-me sempre num canteiro que havia perto da escola e ali conseguia observar se vinha
a minha mãe. Já lá tinha deixado a minha carteira várias vezes por esquecimento.
Por vezes muita gente que por ali passava naquele momento – nessa hora é onde há mais
movimentação, muitos perguntavam se eu estava bem ou se precisava de alguma coisa.
A resposta já estava treinada. Dizia sempre que estava tudo bem e que não precisava de nada
e agradecia a preocupação. Maioria das pessoas insistiam “Mas não precisas mesmo de
nada?” ou “Está bem menino, mas tem cuidado”, mas muitos esboçavam um sorriso e seguiam
o seu caminho.
Já tive um dia marcante de uma viagem de volta a casa. Marcante pelo lado negativo,
infelizmente.
Nessa tarde, estava um tempo bastante mau. Estava a chover bastante e um frio enorme e é
claro que nessa tarde não me dirigi para o canteiro. Ao olhar para aquele temporal esqueci que
os meus colegas iam refilar comigo. Ao lembrar-me, apenas ignorei o pensamento e fiquei a
aguardar a minha mãe. Naquele momento só queria voltar para casa.
A minha mãe estava atrasada mais que meia hora e todos os alunos já tinham saído da escola.
Naqueles momentos de espera recebo a seguinte mensagem por telemóvel.
“Querido, estou presa no trânsito. Devo chegar aí daqui a 5 minutos, está bem? Aguarda mais
um pouco.”
Era a mãe. Tenho que admitir que fiquei mais aliviado ao ler a mensagem, pois estava a
estranhar o seu atraso.
Aparece 15 minutos depois com um ar de cansada. Pede-me imensas desculpas e promete
que não volta a acontecer.
- Mãe, afinal tu não tens culpa de estares presa no trânsito. – disse eu, tentando consolá-la.
- Eu sei querido, mas tu não devias estar ali ao frio. Devia ter saído da Farmácia mais cedo –
respondeu-me carinhosamente e a tentar ver a estrada – o que era impossível com a chuva
torrencial.
A Farmácia é onde ela trabalha diariamente. Ela conhece todos os medicamentos e chega
cansadíssima a casa.
Por vezes, eu e o meu pai fazemos-lhe o jantar para ela ficar contente e ter assim, menos
trabalho.
Aquela viagem estava a ser horrível. Havia trânsito e inundações. Ouvíamos ambulâncias e
bombeiros.
A mãe só se lamentava e eu queria voltar para casa.
De repente, avistamos um carro que vem em contra-mão. A minha mãe não sabia o que fazer
e eu pensava que era um carro que permanecia à nossa frente, mas afinal vinha contra nós.
Foi um momento tão rápido. A mãe não conseguia virar para nenhum dos lados. Apenas
apitava e gritava.
Era um grito de aflição e de medo. Eu apenas fechei os olhos e comecei a chorar, só com
aqueles gritos e quando ela realmente viu que iríamos bater contra o outro carro apenas gritou
pelo meu nome e olhou para mim com a cara mais horrorizada. A cara que eu não reconheci
de puro medo e aflição.
Naquele momento ouvi travagens, gritos e vidros a partirem-se.
Não sentia nada, apenas ouvia.
Pouco tempo depois, senti sangue a escorrer pela perna direita. Tentava olhar para a frente,
mas qualquer coisa me prendia o pescoço. Sentia a barriga toda cheia de vidros e naquele
momento estava um cheiro insuportável. Cheirava a sangue.
Eu queria saber como estava a minha mãe e tentava chamá-la, mas, não conseguia falar.
A partir daí não ouvi nem senti mais nada.
Acordei depois numa ambulância e apenas consegui observar dezenas de pessoas em roda do
meu carro, que estava totalmente desfeito e não tinha a noção do que se passava nem o que
se tinha passado.
Dormi horas e acordei com senhoras de batas brancas a meterem-me uma manta em cima.
Ao acordar, as enfermeiras foram avisar um médico e um psicólogo. Reparei que tinha gesso
na perna e no braço e a barriga dormente como estivesse ali em cima um pedregulho enorme.
Perguntaram-me dezenas de vezes como eu estava e o que sentia. Tinha umas dores enormes
no cotovelo e no pulso do braço direito e com dores e picadelas fortes na perna.
Avisaram-me que eu tinha tido um acidente de carro quando voltava com a minha mãe para
casa.
- A minha mãe? Quero vê-la. – Disse eu, interrompendo aquelas senhoras que me encheram
com perguntas.
- A tua mãe não está aqui. Mas está cá no hospital. – disseram elas com um ar de
preocupação.
Apenas sorri e fechei os olhos. Pensava que ela estava à minha espera para eu voltar para
casa.
Não tinha bem a noção do que se tinha passado, mas já sabia que a minha mãe estava bem e
que nós tínhamos tido um acidente de carro.
Todos os dias estava lá um senhor ao pé da minha cama com um bloco de notas a olhar
fixamente para mim. Jurava que não o conhecia de lado nenhum e que aquele olhar já me
estava a enervar um bocado. Era alto, tinha pouco cabelo e tinha mais ou menos a idade do
meu pai.
- Olá – disse ele alegremente.
- Eu conheço-o? – Disse eu desconfiado e com lágrimas de dor.
- Não, penso que não me conheces. Chamo-me Hélder e trabalho aqui no hospital.
- És médico? Vais dar picas? Não quero mais! – Disse eu aflito tentando esconder o braço
esquerdo na manta para ele não me picar.
- Não. Achas-me com cara de médico? Sou uma pessoa que fala com os meninos quando eles
vêm para o hospital.
- E gostas disso? – Disse eu, sentindo-me à vontade com a conversa como já o conhecesse há
algum tempo.
- Um pouco, mas era sempre mais giro se não fizesse nada, mas que recebesse um ordenado,
claro.
Sorri.
- Bem, ouvi dizer que tiveste um acidente de carro e que agora estás aqui no hospital. Mas vais
curar-te depressa, vais ver. Hoje vim só mesmo avisar-te de que se precisares de falar comigo
ou se quiseres uma boa companhia, basta chamares uma enfermeira que ela chama-me.
Agradeci a sua proposta e a sua simpatia.
- Até breve, miúdo. – Disse ele alegremente saindo da sala.
Considerei aquela semana a pior da minha vida. Levei picas, dormia pouco, a comida não era
muito boa, mas não era má, quando queria fazer xixi ficava envergonhado quando estava lá
gente e pedia para que todos saíssem da sala.
Vendo o lado bom estava feliz porque tinha recebido cartas dos meus amigos e colegas da
turma, várias colegas já me tinham visitado ao hospital.
A minha mãe estaria no hospital, mas era internada e em risco de vida. Estava em coma e com
ferimentos bastante graves. Todos os familiares já tinham conhecimento e muitos não tiveram
coragem de me ir visitar, pois não estavam em condições psicológicas.
Apenas o meu pai que lá esteve uma vez conseguiu mostrar-se forte para conseguir falar
comigo, mas ele estava bastante mal. Frequentava um psicólogo e não estava em condições
para estar em casa sozinho mas sim na casa dos pais dele.
Três dias depois, a minha mãe acabou por falecer.
Nunca desconfiei de nada, pois não tinha motivos. No hospital nunca me sentia sozinho. Havia
mais dois meninos que estavam ali internados, também.
O Hélder visitava-me várias vezes e a minha tia – irmã do meu pai -, foi quem mais me visitou.
A minha família era bastante unida e era enorme. Todos os meus familiares mais próximos e
outros souberam do acidente e falecimento da minha mãe.
A família em geral decidiu não me contar naqueles dias, pois seria um grande choque.
Acabei por saber quatro dias depois do funeral pelo meu pai e pela minha avó materna com o
Hélder presente.
Lembro-me perfeitamente desse momento. Foi o pior momento da minha vida e não me
consigo conter de choro quando penso nisso.
Chorei tanto quando eles me lançaram aquelas palavras, só chamava a minha mãe aos berros.
Naquele momento chorámos todos juntos. Óbvio que naquela hora não me consegui acalmar e
apenas me deram um calmante.
Sei o que meu pai mal se aguentava em pé e a minha avó teve de sair porque estava muito
maldisposta.
Semanas mais tardes, no hospital rezei muito pela minha mãe e pedi a Deus que a guardasse
bem e que ela olhasse por nós.
Recebi muito carinho de toda a aldeia, escola, família e todos os amigos.
Muitos colegas da minha turma escreveram cartas a consolar-me e a encorajar-me.
Consegui recuperar aquela má fase bem.
Foi com isto que dei valor à minha família, à minha mãe e a todos os que nos amam.
Com a ajuda do Hélder, das enfermeiras, do meu pai, avós, família inteira consegui convencerme
que a minha mãe estava bem e que estaria sempre no meu coração, bem guardada.
Dali saí um mês depois, de muletas, para a casa dos meus avós.
Quando regressei à escola fui muito bem recebido por todos os colegas.
Raramente escapava uma lágrima quando saía daquela portaria para seguir para o autocarro.
Ela nunca mais estaria ali à minha espera.
Ela era a minha melhor amiga, a melhor pessoa do mundo. Com o meu pai deu-me uma
educação fantástica.
Jamais será por nós esquecida.

Comentários

Joana Cardoso disse…
foi um dos posts mais emocionantes q li no teu blog.
confesso q verti uma lagrima ou outra.
é nestes momentos q compreendemos a fragilidade da vida, muita força
beijo*
Anónimo disse…
Lamento, e admiro a tua coragem de teres escrito isto no teu blog.
Na verdade não sabia que já não tinhas mãe, mas admiro essa tua froça :)
Alex Fernandes disse…
Esqueci-me completamente de dizer que isto não é verídico!
Pintas disse…
a vida é mesmo muito frágil :(

beijinhos
Alex Fernandes disse…
O texto 'A Fragilidade da Vida' foi escrito por mim baseado numa história de um acidente de mota quer tive conhecimento, onde houve um grande amigo do meu irmão morreu, que era como fosse da família. O tema sim foi baseado na história, mas de resto é tudo diferente.
Joana disse…
Ah agora percebo, estava a achar estranho porque já tinha visto posts onde referias a tua mãe.
Mas o texto está lindo, emocionou-me!
Anónimo disse…
Quer dizer que tu ainda tens mãe?
Isso não se faz, até hoje pensei em ti, e no que li no teu blog, fogo fiquei sensibilizada !
Ju disse…
ADOREI! MESMOOO!

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