A Birra de Passos Coelho*
Ao longo da democracia portuguesa têm sido diversos os casos
caricatos e insólitos que ocorrem na Assembleia da República, nomeadamente nos
debates onde a oposição se confronta com o governo. Recordo o célebre “manso é
a tua tia, pá” de José Sócrates dirigido ao deputado Francisco Louçã depois do
mesmo afirmar que o primeiro-ministro socialista,na altura, se encontrava
manso.
No último debate quinzenal na Assembleia da República o país
assistiu a mais um momento insólito.
Catarina Martins, deputada do Bloco de Esquerda, usou a
palavra para se dirigir ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, para afirmar
e frisar diversas vezes que a palavra do primeiro-ministro não valia nada,
justificando sendo esse o problema do debate político.
O assunto a ser discutido seriam os cortes nos salários e
nas pensões que nos três anos de governação deste governo sempre foram feitos
com a desculpa de serem medidas pontuais por causa do programa de ajustamento
da Troika e agora Passos Coelho desdiz o que afirmara anteriormente, ou seja, o
que era pontual afinal é permanente.
Passos Coelho decidiu não responder a esta intervenção,
pedindo à deputada o respeito pelo seu direito à indignação pois não se tratava
de uma questão de birra mas sim uma questão de respeito à câmara e a si
próprio. A justificação acabou por não convencer a deputada nem os deputados do
mesmo partido e o Bloco de Esquerda acabou por abandonar o debate nesse preciso
momento em forma de protesto, pedindo à presidente da República uma conferência
de líderes extraordinária para discutir esta situação insólita, que foi
recusada com a justificação que não haveria necessidade para tal. A própria
presidente disse a meio da situação insólita que o silêncio deve ser levado
também como uma interpretação política e mais tarde, acabou por explicar aos
jornalistas que esta situação seria discutida numa próxima conferência de
líderes.
Passos Coelho tem um papel institucional a cumprir. Quando assistimos
ao debate político, ali Passos Coelho não está como Passos Coelho, ou seja, está
no papel de primeiro-ministro e como dever tem que responder aos deputados,
visto que quem se encontra no Parlamento são deputados que também foram
escolhidos pelo povo e como é óbvio, a legitimidade deve ser a mesma.
Não deixa de ser uma falta de respeito aos cidadãos por
parte do primeiro-ministro ao recusar-se a falar pois ali não é Passos que está
a responder a Catarina, é o primeiro-ministro que está a responder à oposição.
Se está a responder à oposição está a responder ao Parlamento e se está a
responder ao Parlamento está a responder ao país daí ser compreensível que os
deputados do Bloco de Esquerda se tenham retirado da sala face a esta situação.
De facto há excessos de linguagem
neste tipo de debate pois por vezes é notório a necessidade de destaque na
retórica para atingir alguns fins, aliás, Bloco de Esquerda não tem estado no
seu auge e visto que as eleições europeias se encontram por perto, é normal que
o partido se queira destacar na oposição.
No mesmo debate Jerónimo de Sousa
chamou de mentiroso a Passos Coelho – curiosamente, Passos não se indignou como
aconteceu com a deputada Catarina Martins.
Não defendo que o insulto seja
correto, mas as verdades são para serem ditas quando são devidamente
argumentadas e quanto a isso ninguém se deve opor.
Em relação a esta situação da deputada
do BE é comentado que se sente que haja uma guerra de sexismos visto que foi
uma deputada que fez com que Passos Coelho se sentisse ferido na sua dignidade
e na sua honra masculina.
Será que Passos Coelho reagiria
da mesma forma se fosse um deputado do sexo masculino a acusar-lhe de falta de
palavra? Penso que em Portugal ainda não seja tolerável que as mulheres digam
certas coisas e este é um exemplo claro disso mesmo, daí dar o exemplo da
intervenção de Jerónimo de Sousa, pois as reações perante estas duas acusações
não foram as mesmas.
Porém, as mulheres têm cada vez
mais um papel importante na política, dando o exemplo da presidente da
república ou das ministras da justiça e da agricultura. O facto de um deputado
ser do sexo masculino ou feminino não deve ser posto em causa ou ter qualquer
tipo de influência face a estes debates políticos pois o que realmente deve ser
válido e criticado são os papéis que cada deputado exerce visto que têm
diversas responsabilidades a cumprir tendo em conta que são representantes do
povo português.
Comentários
(outro anónimo)