"A Entrevista" de Fevereiro - Ana Almeida
Ana Almeida tem 45 anos e é jornalista.
Começou a sua carreira há quase três décadas na Rádio Cascais e na Rádio Costa do Estoril onde fez locução e informação noticiosa. Nos três últimos anos da década de 80 tornou-se jornalista do jornal regional A Zona, de Cascais e ficou chefe de redacção do mesmo. Foi jornalista da revista VISÃO 5 anos e participou nas Noites Marcianas na SIC em 2001.
Mas antes de ser uma repórter marciana no elenco das Noites Marcianas, foi jornalista do 24Horas do seu início, em 1998, até ao encerramento da publicação onde terá desempenhado funções várias.
Eis a entrevista.
Sempre quis seguir jornalismo? O que motivou para essa escolha?
Curiosamente – e perdoa-me começar logo com um advérbio de modo -, nunca tinha sonhado seguir jornalismo. Os meus sonhos iam noutra direcção, até me cruzar com a professora Maria Almira Medina, que estava a organizar um jornal escolar e achou que eu tinha talento e perfil para ser ‘arrastada’ para o projecto. E um dia, quando dei por isso, soube que era esse o meu caminho.
A sua carreira iniciou-se há 29 anos. Conte-me como foram as suas primeiras experiências na rádio.
As minhas primeiras experiências na rádio foram num vão de escadas no rés-do-chão da casa da avó de um amigo, onde funcionava uma das primeiras piratas no concelho de Cascais. Incluiram muita música, muita amizade e juventude, dois gira-discos, uma pequena mesa de mistura, um microfone, uma ventoinha para aguentar o bafo quente ali dentro, doses industriais de cuidado para não bater com a cabeça e gargalhadas valentes. Ah, e bolachas no bolso para, ao chegar, conseguir atravessar o quintal sem ser abalroada pelo enorme cão da família...
Trabalhou nas Noites Marcianas em 2001. Como foi a experiência?
O ‘Noites Marcianas’, sendo a versão portuguesa de um programa espanhol de êxito, foi um momento marcante de viragem para a televisão em Portugal. Aprendi imenso, tive o privilégio de trabalhar com muita gente talentosa, pessoas como Carlos Cruz, a quem as revistas já chamavam então o ‘Sr. Televisão’, e assisti à sede com que o público encarou aquele que foi provavelmente o primeiro ‘late night show’ nacional.
Em 1998 foi fundado o 24horas, que fechou as portas em 2010. Como foram estes doze anos?
Doze anos a criar e a amar um filho, com a ajuda de uma aldeia de gente empenhada e capaz. Escrevi isto, à altura, no meu blog pessoal: “E amei o 24horas, provavelmente como a um filho, sim, que nasceu também de mim. Um filho que me deu tantos momentos felizes, de desafio, mas que também me magoou e tantos erros cometeu enquanto crescia. Um filho ao qual tentei passar, pelo exemplo, aquilo que todos os pais querem passar aos filhos: bons valores. Lealdade, profissionalismo, frontalidade e, acima de tudo, respeito pelo código deontológico. Mas os filhos nunca são bem aquilo que sonhamos que eles sejam, não é? E nem por isso os amamos menos.”
A entrada da Judiciária na redação do 24horas com a célebre frase "Tirem as mãos dos teclados" deu muito que falar. Como foi a sua reação?
Eu não estava na redacção nesse momento. Quando cheguei, encontrei ainda um momento de incredulidade e, logo em seguida, de reacção. Aquela que viram: a foto da redacção, mãos no ar, assegurando “Não temos nada na manga, Sr. Procurador”. A capa de 16 de Fevereiro de 2006, seis anos a assinalar esta semana.
Houve outra situação caricata na vida do 24horas que nos possa contar em exclusivo?
A vida num jornal está recheada de situações, umas mais caricatas que outras – e esta relacionada com o ‘Envelope 9’ teve pouco de caricato, como todos sabemos. Fazem sentido no momento, partilham-se à volta de uma mesa, talvez com uns copos, entre quem as viveu. Ganham com o tempo uns detalhes e perdem outros decerto, que a memória vai pregando partidas. Perdoa-me se as guardo só para mim.
Quando o 24horas se iniciou tinham ideia que duraria apenas doze anos? Ou não pensavam nessa situação?
Ao nascermos havia a consciência de que, enquanto primeiro tablóide assumido em Portugal – e a chave está na palavra ‘assumido’ -, a existência não seria fácil. No entanto, um projecto como foi o do 24horas não se leva para a frente a pensar na morte possível. Como o João Garcia não pensa certamente nisso quando escala montanhas e conquista os cumes mais altos do mundo.
O que havia no 24horas para ser alvo de ódio de muitos portugueses?
Frontalidade. Éramos o que estava à vista e isso ainda incomoda muita gente. Outros faziam – e fazem tanto hoje em dia, agora sem o 24horas para servir de bode expiatório nem o epíteto ‘tablóide’ para lhes manchar a pseudo-reputação – o que nós faziamos e ninguém lhes apontava o dedo. Éramos o menino desbocado e travesso que vestia uma roupagem mais garrida e que, por isso, era sempre o culpado de todas as janelas partidas no pátio. Cheguei a ter pessoas a perguntarem-me como era possível alguém como eu trabalhar no 24horas. E perguntava-lhes: mas alguma vez leu o jornal além da capa? Pois...
O que correu mal no 24horas?
Opções editoriais menos felizes. Opções economicistas ainda menos felizes. Decerto não foi o despir da camisola dos que lá trabalhavam. Mas não serei a pessoa mais abalizada para o analisar.
O jornalismo actual é diferente de quando iniciou a sua vida profissional?
Sem qualquer sombra de dúvida. A evolução brutal da tecnologia criou um mundo novo e a adaptação a ele não está a ser fácil. O uso que dela fazemos ainda cria mais perguntas do que respostas. Só para teres uma ideia, ainda recebi a notícia da primeira guerra do Golfo sentada numa redacção onde um enorme telex matraqueava a cada minuto de cada dia e as notícias eram depois escritas numa máquina de escrever, felizmente eléctrica. Hoje, alguém espirra na outra ponta do mundo e eu sei isso no meu telefone nem dez minutos depois.
Qual o seu jornal preferido? E porquê?
Não tenho preferidos. Leio um pouco de tudo.
Acha que Portugal vai voltar a ter um jornal tablóide?
Como dizia há pouco, Portugal ‘tem’ outros jornais tablóide. Apenas não assumidos. A palavra assusta os leitores – que, no entanto, adoram as notícias estilo tablóide que neles consomem todos os dias, fielmente.
Há vários jovens que pretendem seguir o mundo do jornalismo. Qual o conselho que lhes dá?
Dois em um, muito simples: amem e protejam a língua que é o vosso instrumento de trabalho e conheçam e respeitem sempre o código deontológico, mesmo quando vos parecer que é coisa de velhos.
A democracia chegou a Portugal era a Ana ainda criança. Recorda-se pouco dos tempos de ditadura, certamente. O 25 de Abril de 1974 trouxe benefícios ou malefícios a Portugal?
Recordo-me muito, por acaso, por razões pessoais. O 25 de Abril de 1974 trouxe a libertação do jugo de uma ditadura, nunca esqueçamos - e isso é sempre um benefício, venha quem vier. O que as pessoas fizeram da liberdade que ganharam nesse dia é outra conversa.
Há um estudo que revela que os jornais daqui a cinco anos deixarão de ser em papel. Acredita que isso poderá acontecer?
Custa-me a crer que as edições em papel desapareçam totalmente. Pelo menos enquanto houver quem se lembre deles, do prazer de os trazer debaixo do braço para ler em casa, com os filhos apoiados nas costas do cadeirão a espreitar as ‘gordas’. Da sensação grata de os ver ler as primeiras linhas nem que seja na edição de ‘A Bola’ deixada na mesa da cozinha.
Acha as notícias online "roubam" as vendas nos quiosques e papelarias de jornais e revistas?
Não tenho dúvidas de que, aos poucos, à medida que vão aprendendo a utilizar o que as novas tecnologias vão colocando ao dispor, os leitores vão deixando de gastar dinheiro nos quiosques. Mas metam na cabeça que, quando deixarem de ter alternativa, também vai ter custos a leitura virtual.
Curiosamente – e perdoa-me começar logo com um advérbio de modo -, nunca tinha sonhado seguir jornalismo. Os meus sonhos iam noutra direcção, até me cruzar com a professora Maria Almira Medina, que estava a organizar um jornal escolar e achou que eu tinha talento e perfil para ser ‘arrastada’ para o projecto. E um dia, quando dei por isso, soube que era esse o meu caminho.
A sua carreira iniciou-se há 29 anos. Conte-me como foram as suas primeiras experiências na rádio.
As minhas primeiras experiências na rádio foram num vão de escadas no rés-do-chão da casa da avó de um amigo, onde funcionava uma das primeiras piratas no concelho de Cascais. Incluiram muita música, muita amizade e juventude, dois gira-discos, uma pequena mesa de mistura, um microfone, uma ventoinha para aguentar o bafo quente ali dentro, doses industriais de cuidado para não bater com a cabeça e gargalhadas valentes. Ah, e bolachas no bolso para, ao chegar, conseguir atravessar o quintal sem ser abalroada pelo enorme cão da família...
Trabalhou nas Noites Marcianas em 2001. Como foi a experiência?
O ‘Noites Marcianas’, sendo a versão portuguesa de um programa espanhol de êxito, foi um momento marcante de viragem para a televisão em Portugal. Aprendi imenso, tive o privilégio de trabalhar com muita gente talentosa, pessoas como Carlos Cruz, a quem as revistas já chamavam então o ‘Sr. Televisão’, e assisti à sede com que o público encarou aquele que foi provavelmente o primeiro ‘late night show’ nacional.
Em 1998 foi fundado o 24horas, que fechou as portas em 2010. Como foram estes doze anos?
Doze anos a criar e a amar um filho, com a ajuda de uma aldeia de gente empenhada e capaz. Escrevi isto, à altura, no meu blog pessoal: “E amei o 24horas, provavelmente como a um filho, sim, que nasceu também de mim. Um filho que me deu tantos momentos felizes, de desafio, mas que também me magoou e tantos erros cometeu enquanto crescia. Um filho ao qual tentei passar, pelo exemplo, aquilo que todos os pais querem passar aos filhos: bons valores. Lealdade, profissionalismo, frontalidade e, acima de tudo, respeito pelo código deontológico. Mas os filhos nunca são bem aquilo que sonhamos que eles sejam, não é? E nem por isso os amamos menos.”
A entrada da Judiciária na redação do 24horas com a célebre frase "Tirem as mãos dos teclados" deu muito que falar. Como foi a sua reação?
Eu não estava na redacção nesse momento. Quando cheguei, encontrei ainda um momento de incredulidade e, logo em seguida, de reacção. Aquela que viram: a foto da redacção, mãos no ar, assegurando “Não temos nada na manga, Sr. Procurador”. A capa de 16 de Fevereiro de 2006, seis anos a assinalar esta semana.
Houve outra situação caricata na vida do 24horas que nos possa contar em exclusivo?
A vida num jornal está recheada de situações, umas mais caricatas que outras – e esta relacionada com o ‘Envelope 9’ teve pouco de caricato, como todos sabemos. Fazem sentido no momento, partilham-se à volta de uma mesa, talvez com uns copos, entre quem as viveu. Ganham com o tempo uns detalhes e perdem outros decerto, que a memória vai pregando partidas. Perdoa-me se as guardo só para mim.
Quando o 24horas se iniciou tinham ideia que duraria apenas doze anos? Ou não pensavam nessa situação?
Ao nascermos havia a consciência de que, enquanto primeiro tablóide assumido em Portugal – e a chave está na palavra ‘assumido’ -, a existência não seria fácil. No entanto, um projecto como foi o do 24horas não se leva para a frente a pensar na morte possível. Como o João Garcia não pensa certamente nisso quando escala montanhas e conquista os cumes mais altos do mundo.
O que havia no 24horas para ser alvo de ódio de muitos portugueses?
Frontalidade. Éramos o que estava à vista e isso ainda incomoda muita gente. Outros faziam – e fazem tanto hoje em dia, agora sem o 24horas para servir de bode expiatório nem o epíteto ‘tablóide’ para lhes manchar a pseudo-reputação – o que nós faziamos e ninguém lhes apontava o dedo. Éramos o menino desbocado e travesso que vestia uma roupagem mais garrida e que, por isso, era sempre o culpado de todas as janelas partidas no pátio. Cheguei a ter pessoas a perguntarem-me como era possível alguém como eu trabalhar no 24horas. E perguntava-lhes: mas alguma vez leu o jornal além da capa? Pois...
O que correu mal no 24horas?
Opções editoriais menos felizes. Opções economicistas ainda menos felizes. Decerto não foi o despir da camisola dos que lá trabalhavam. Mas não serei a pessoa mais abalizada para o analisar.
O jornalismo actual é diferente de quando iniciou a sua vida profissional?
Sem qualquer sombra de dúvida. A evolução brutal da tecnologia criou um mundo novo e a adaptação a ele não está a ser fácil. O uso que dela fazemos ainda cria mais perguntas do que respostas. Só para teres uma ideia, ainda recebi a notícia da primeira guerra do Golfo sentada numa redacção onde um enorme telex matraqueava a cada minuto de cada dia e as notícias eram depois escritas numa máquina de escrever, felizmente eléctrica. Hoje, alguém espirra na outra ponta do mundo e eu sei isso no meu telefone nem dez minutos depois.
Qual o seu jornal preferido? E porquê?
Não tenho preferidos. Leio um pouco de tudo.
Acha que Portugal vai voltar a ter um jornal tablóide?
Como dizia há pouco, Portugal ‘tem’ outros jornais tablóide. Apenas não assumidos. A palavra assusta os leitores – que, no entanto, adoram as notícias estilo tablóide que neles consomem todos os dias, fielmente.
Há vários jovens que pretendem seguir o mundo do jornalismo. Qual o conselho que lhes dá?
Dois em um, muito simples: amem e protejam a língua que é o vosso instrumento de trabalho e conheçam e respeitem sempre o código deontológico, mesmo quando vos parecer que é coisa de velhos.
A democracia chegou a Portugal era a Ana ainda criança. Recorda-se pouco dos tempos de ditadura, certamente. O 25 de Abril de 1974 trouxe benefícios ou malefícios a Portugal?
Recordo-me muito, por acaso, por razões pessoais. O 25 de Abril de 1974 trouxe a libertação do jugo de uma ditadura, nunca esqueçamos - e isso é sempre um benefício, venha quem vier. O que as pessoas fizeram da liberdade que ganharam nesse dia é outra conversa.
Há um estudo que revela que os jornais daqui a cinco anos deixarão de ser em papel. Acredita que isso poderá acontecer?
Custa-me a crer que as edições em papel desapareçam totalmente. Pelo menos enquanto houver quem se lembre deles, do prazer de os trazer debaixo do braço para ler em casa, com os filhos apoiados nas costas do cadeirão a espreitar as ‘gordas’. Da sensação grata de os ver ler as primeiras linhas nem que seja na edição de ‘A Bola’ deixada na mesa da cozinha.
Acha as notícias online "roubam" as vendas nos quiosques e papelarias de jornais e revistas?
Não tenho dúvidas de que, aos poucos, à medida que vão aprendendo a utilizar o que as novas tecnologias vão colocando ao dispor, os leitores vão deixando de gastar dinheiro nos quiosques. Mas metam na cabeça que, quando deixarem de ter alternativa, também vai ter custos a leitura virtual.
Comentários
Sara (musical)
PS: também amo a minha língua!
Ó Sara, tu agora gostas é do italiano!
É fantástico ver um rapaz de 15 anos com esta capacidade de escrita e escolha dos temas.
Quanto à entrevista...há muito jornalista por aí que não faz metade da pesquisa que tu deves ter feito! Não desistas da ideia das Humanidades e do Jornalismo, tens talento! e os testes psicotécnicos são a coisa mais enganosa que existe! Se fosse por eles devia ter ido para a política (que os santinhos todos nos livrem!)
Muito obrigada por este bocado bem passado que me proporcionas-te :D
Raquel
Muito obrigado pelo seu comentário. :) Para que conste eu não fiz pesquisa nenhuma. Se fala das perguntas foram de elaboração própria com os meus conhecimentos, como é óbvio, e se fala da introdução da entrevista as informações foram dadas pela entrevistada, a meu pedido.
ana almeida
Foi muito bem inaugurado! ;)
Parabéns pela entrevista!